Durante a pandemia de COVID-19, muito se falou sobre o “grande recomeço”, referindo-se à rara janela de oportunidade que havia se aberto para que as sociedades repensassem suas formas de viver, produzir e consumir. Neste contexto, muitos países inovaram em seus planos de recuperação econômica para os anos seguintes, com o objetivo de aliar a retomada da economia com metas de neutralidade de carbono. A União Europeia, por exemplo, aprovou o projeto Nova Geração UE que, alinhado ao Green Deal, traz um pacote de 750 bilhões de euros para investimentos em agricultura sustentável, energias renováveis, infraestrutura verde e eletrificação de veículos. Já os Estados Unidos lançaram o Infrastructure Investment and Jobs Act e o Inflation Reduction Act para financiar os setores de infraestrutura e de energia, de modo a torná-los mais sustentáveis.

No Brasil, foi lançado um esboço de um Plano de Transição Ecológica, em agosto de 2023, que surgiu atrelado ao PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), com investimento de R$1,7 trilhão para redução de desigualdades sociais, desenvolvimento sustentável e combate às mudanças climáticas. O plano deve impulsionar medidas como desenvolvimento do mercado de carbono, emissão de títulos soberanos sustentáveis e reformulação do Fundo do Clima.

Muitos recursos estão sendo mobilizados para recuperação de economias nacionais e locais, constituindo-se uma oportunidade para o desenvolvimento econômico que, além de fazer frente às mudanças climáticas, pode gerar empregos, aumentar a produtividade, melhorar sistemas públicos de saúde, fomentar a pesquisa e a inovação tecnológica, reduzir as desigualdades e valorizar o capital cultural das localidades.

A imagem comum que se tem do PAC é a de que ele serve para financiar a construção de infraestrutura de grande porte – necessária ao país, mas que não pode ser o único destino dos recursos do Plano. Quem faz o alerta é Sergio Andrade, cientista político e diretor da Agenda Pública: “o novo PAC pode não apenas apostar nas grandes infraestruturas, mas contar com ferramentas como as compras locais e as compras governamentais para impulsionar pequenas e médias empresas e fomentar a economia regional. A ideia é que a economia de cada município, com suas próprias características, possa ser diversificada e resultar na geração de empregos. Os novos postos devem estar alinhados a essa transição econômica e gerar oportunidades para o desenvolvimento regional, especialmente no Norte e Nordeste.”[1]

Se atendidas algumas condições, como as apresentadas por Andrade, o Brasil pode ficar muito bem posicionado no processo de transição, fazendo-o de forma justa e economicamente rentável. Investidores internacionais têm dado especial ênfase à preservação e à boa gestão do capital natural dos países e localidades em que aplicarão seus recursos. De acordo com o Relatório sobre Clima e Desenvolvimento para o Brasil (CCDR, na sigla em inglês) do Banco Mundial[2], o país tem possibilidade de tanto tornar-se potência global em energia limpa quanto de garantir a continuidade do bioma amazônico, ao implementar um plano que aumente a eficiência no uso do solo para a produção de alimentos, proteja a floresta, combata o desmatamento e melhore os sistemas de transporte, tudo isso com investimentos relativamente baratos.

Ademais, o relatório do programa BID-CEBRI-EPE de Transição Energética[3], publicado em fevereiro de 2023, aponta que, apesar de o segmento de Agropecuária, Florestas e Outros Usos do Solo (AFOLU) corresponder a 73% das emissões brasileiras de gases do efeito estufa, é um segmento rico em oportunidades. As atividades em AFOLU dispõem de possibilidades de remoção natural de carbono, as chamadas soluções baseadas na natureza (NBS), e o Brasil responde, sozinho, por 20% do potencial global de NBS, com a rara possibilidade de conciliar a produção de alimentos, energia e preservação ambiental por meio da recuperação de mais de 70 milhões de hectares de pastagens degradadas.

O segmento brasileiro de produção de energia também apresenta um cenário privilegiado. Nossa matriz energética já reflete a grande disponibilidade de recursos naturais. Segundo o Balanço Energético Nacional de 2019[4], produzido pela Empresa de Pesquisa Energética, no ano anterior o Brasil teve 45,3% de sua produção de energia proveniente de fontes renováveis, ao passo que a média global é de apenas 13,7%. Em 2022, o Núcleo de Energia do CEBRI (Centro Brasileiro de Relações Internacionais) produziu o policy paper Proposições para uma transição energética justa no Brasil[5], em que afirma que o país tem condições únicas, tanto de atingir seus objetivos climáticos como de beneficiar-se da transição energética global, para elevar seu desenvolvimento socioeconômico e sua inserção internacional.

O policy paper também aponta que o Brasil possui três diferenciais: um setor elétrico majoritariamente renovável e que se expande com competitividade; um setor de O&G (petróleo e gás) estruturado, com excedentes exportáveis, capacidade técnica e de investimento em pesquisa e inovação; e um forte setor de bioenergia, com relevante participação de biocombustíveis nos transportes. Junto a esses diferenciais, acrescentamos que o país conta com sindicatos de trabalhadores de setores estratégicos da transição para a economia de baixo carbono mobilizados para contribuir com a discussão e com o delineamento de cursos de ação, oferecendo a perspectiva de alguns dos grupos sociais mais interessados no caráter justo da descarbonização.

A transição para uma economia de baixo carbono é um fato que veio para ficar. A descarbonização adquiriu lugar central nas agendas corporativas e governamentais, mas seguirá diferentes ritmos e formatos. Uma transição eficaz e eficiente depende de planejamento, boa governança e visão estratégica para antecipar riscos e oportunidades. Empresas e governos preparados para tomar decisões rápidas, criteriosas e informadas estarão à frente do processo de transição. Com muitos mecanismos para viabilizar sua transição justa, o Brasil poderá ter grande destaque, servindo de exemplo para a implementação de ações que aliem desenvolvimento socioeconômico e combate às mudanças climáticas.

[1] https://www.metropoles.com/brasil/governo-lanca-pac-3-de-olho-em-um-lugar-no-cenario-economico-global

[2] https://www.worldbank.org/pt/country/brazil/brief/brasil-ccdr

[3] https://www.cebri.org/br/midia/304/estudo-do-cebri-bid-epe-e-cenergia-desenvolvido-no-ambito-do-programa-de-transicao-energetica-aponta-desafios-e-rotas-da-transicao-brasileira

[4] https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/balanco-energetico-nacional-2019

[5] https://cebri.org/media/documentos/arquivos/PolicyPaperCEBRI_NucleoEnergia.pdf