Um dos grandes mitos que circundam os debates sobre o combate às mudanças climáticas é a sua inviabilidade econômica. Descarbonização e sustentabilidade ambiental por vezes são associadas a perda de empregos, de mercados e de investimentos. Se a realidade econômica já desbancava esse mito, a COP26 de 2021, em Glasgow, confirmou o equívoco da ideia. Sócios da Consultoria Mckinsey & Co avaliam que os compromissos climáticos firmados no Reino Unido estão remodelando as agendas corporativas no mundo inteiro, e que executivos esperam uma aceleração das ações climáticas em toda a economia – em nível sistêmico, nas indústrias e nas organizações.[1]
Sergio Andrade, diretor executivo da Agenda Pública, compartilha a opinião de que a agenda da transição ecológica veio para ficar e que esse pode ser o ensejo para transformações positivas, não apenas para o meio ambiente, mas também para a economia: “precisamos descarbonizar o agronegócio, a siderurgia, a mineração, o setor de óleo e gás e tantos outros. Com isso, teremos oportunidades de gerar emprego e renda, promover inovação industrial e atrair investimentos”[2] Nesse sentido, o cenário para o Brasil é positivo, completa Andrade, ao afirmar que “o país tem condições de assumir o posto de potência ambiental e dar ao mundo exemplos de empresas que têm responsabilidade ecológica na sua produção, mas que também geram o emprego de qualidade que nós precisamos.”
Trazendo alguns números para discussão, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que 18 milhões de novos empregos serão gerados pela transição para a economia verde até 2030[3]. Referindo-se especificamente ao Brasil, uma modelagem econômica desenvolvida pelo WRI Brasil e apresentada no relatório “Uma Nova economia para uma nova era: elementos para a construção de uma economia mais eficiente e resiliente para o Brasil”[4] indica que a adoção de práticas sustentáveis e com baixa emissão de carbono pode gerar um incremento significativo no PIB, com um ganho de R$2,8 trilhões até 2030, em comparação com os resultados que seriam gerados com o prosseguimento da trajetória atual (ou seja, com poucas práticas econômicas verdes).
Nesse sentido, as vantagens econômicas da transição verde são inegáveis. Porém, um dos pontos relevantes da transição verde justa é assegurar que os ganhos não fiquem concentrados. É necessário garantir que os novos empregos não beneficiem apenas os maiores e mais tradicionais centros econômicos, e que o crescimento da riqueza se traduza em desenvolvimento para todo o território nacional, não somente para regiões já consolidadas. Em um país com tantas desigualdades sociais e regionais como no Brasil, a redução de assimetrias adquire particular importância, e o desenvolvimento territorial torna-se um dos pilares da transição justa.
Além de ser um desafio, o desenvolvimento de territórios é uma oportunidade. A recente pandemia de COVID-19 e a atual guerra na Ucrânia impactaram operações logísticas em todo o planeta e romperam cadeias globais de suprimento, acelerando uma tendência já em curso: o fortalecimento de cadeias regionais de valor e de produção. O nearshoring, como essa tendência vem sendo chamada, envolve não apenas a proximidade geográfica, mas também o alinhamento com práticas de responsabilidade ambiental e social. Como isso tudo pode se traduzir na prática? O relatório do WRI mencionado anteriormente traz algumas sugestões.
No que tange à infraestrutura, o aproveitamento dos recursos naturais locais, como florestas, mangues e rios, pode reduzir consideravelmente os custos de investimento em logística. Em casos de áreas de pastagem com extrema degradação, a substituição dessas pastagens por florestas diminuiu a perda de solo e a poluição de rios com sedimentos, visto que a vegetação é um potente filtro de água, reduzindo gastos com produtos químicos para tratamento. Se o uso da infraestrutura natural fosse otimizado pelo planejamento territorial, as taxas de retorno dos investimentos em saneamento estariam entre 13% e 28%, semelhantes às taxas de retorno de investimentos tradicionais de infraestrutura sanitária.
Ademais, o desenvolvimento local pode ser impulsionado pela inovação no setor industrial. De forma geral, as atividades de indústria têm alta demanda por combustíveis fósseis, o que aumenta os custos de produção devido aos altos gastos com aquisição e transporte dos combustíveis. Ao utilizar recursos energéticos renováveis disponíveis localmente, as indústrias reduzem seu dispêndio, aumentam a competitividade e fomentam diversas atividades econômicas ligadas à utilização dos recursos locais.
Também há destaque para setor florestal e de silvicultura de espécies nativas, que pode posicionar o Brasil na liderança da exportação de madeira tropical e viabilizar negócios locais por meio de mercados de crédito de carbono e outros serviços ambientais. O plantio em larga escala de espécies nativas captura carbono por meio do aumento da biomassa das florestas, além de reduzir a erosão do solo, diminuir a perda de fertilidade e aumentar a disponibilidade de água na região. Essas ações trazem benefícios em cadeia, impactando direta e indiretamente o setor de agricultura.
De acordo com dados de 2018 da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), o Brasil é o terceiro maior produtor agrícola do mundo e o segundo maior exportador de alimentos. Dado o tamanho do setor, o agronegócio é responsável por um em cada três empregos no país e por 22% do PIB brasileiro. Portanto, projetos que impactam positivamente o agronegócio e a produção de alimentos possuem um enorme potencial de melhora nos indicadores socioeconômicos. Porém, é necessário quebrar um ciclo vicioso: em locais de condições socioeconômicas precárias, as mudanças climáticas limitam o acesso a recursos e aumentam a vulnerabilidade dos trabalhadores, inclusive à insegurança alimentar, perpetuando cenários de escassez. Portanto, este é o ensejo para se investir em tecnologias e incrementação técnica que aumentem simultaneamente a produção, a produtividade, a resiliência da produção local e a sustentabilidade.
É importante destacar que para que a transição para uma economia de baixo carbono aconteça e seus benefícios sejam capilarizados até os territórios, é necessário o engajamento de governos municipais e estaduais. Políticas regionalizadas possuem boas chances de consolidação, devido à capacidade que governos locais possuem de criar planos de desenvolvimento econômico mais modernos e conectados às necessidades locais. Nesse sentido, é essencial que a transição justa seja, ao mesmo tempo, fio condutor e um resultado de programas de desenvolvimento econômico local, contando com estruturas robustas de planejamento, implementação, monitoramento e governança multissetorial.
[1] https://www.mckinsey.com/capabilities/sustainability/our-insights/cop26-made-net-zero-a-core-principle-for-business-heres-how-leaders-can-act
[2] https://www.cartacapital.com.br/politica/transicao-justa/
[3] https://www.ilo.org/weso-greening/#Intro-1
[4] https://www.wribrasil.org.br/publicacoes/uma-nova-economia-para-uma-nova-era-elementos-para-construcao-de-uma-economia-mais
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