No quadro das mudanças climáticas, um eixo tem adquirido especial relevância: a transição para uma economia de baixo carbono. Mais do que uma nobre intenção, este objetivo está amparado por acordos internacionais e legislações nacionais. Em 2015, na 21ª Conferência das Partes da Convenção Quadro da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, também conhecida como COP21, foi aprovado o Acordo de Paris, por meio do qual os países signatários comprometeram-se com a gradativa redução de emissões de gases do efeito estufa, com o objetivo de zerar as emissões líquidas até 2050. Tal medida é necessária para limitar o aquecimento da Terra em até 1,5ºC em relação aos níveis pré-industriais, de modo a evitar um colapso ambiental.

O Brasil não apenas é signatário do Acordo de Paris, como também aprovou o projeto de lei 6.539/2019, que atualiza a Política Nacional sobre Mudança do Clima, (lei 12.187/2009) compatibilizando-a com as diretrizes do Acordo. Além de conferir segurança jurídica aos setores econômicos que buscam adaptar-se para fazer frente aos desafios relacionados à mudança do clima, essa atualização aperfeiçoou  o marco regulatório que lastreia a implementação de políticas públicas de proteção ambiental e social e de resiliência econômica.

A transição para uma economia de baixo carbono tornou-se um imperativo. Entretanto, não basta transicionar; é necessário fazê-lo com justiça econômica e social. A isso denominamos transição justa. Trata-se de um processo de transição que visa a garantir que as mudanças para uma economia mais verde e de baixo carbono não prejudiquem trabalhadores, comunidades e setores que dependem das indústrias poluentes. Essa abordagem identifica oportunidades de desenvolvimento econômico local e procura equilibrar a urgente necessidade de reduzir as emissões de gases do efeito estufa com a proteção dos empregos e da saúde da economia. Isso envolve medidas como a criação de empregos verdes, requalificação da força de trabalho, apoio a comunidades em transição, avanços tecnológicos e modernização econômica.

Os critérios ESG (da sigla em inglês correspondente a “ambiental, social e de governança”) desempenham um papel crucial na promoção da transição justa. Enquanto os parâmetros ESG avaliam o desempenho das empresas em áreas como responsabilidade ambiental, impacto social e efetividade da governança, também podem ser utilizados como ferramentas para garantir que a transição para uma economia mais sustentável seja justa e equitativa. A aplicação de critérios ESG  pelas empresas brasileiras em suas atividades já é uma realidade. De acordo com o Pacto Global das Nações Unidas, a adesão aos padrões ESG aumenta a competitividade das empresas nos mercados interno e externo, sendo um indicador de solidez, de boa reputação e de resiliência a cenários de incerteza.

Além das empresas, governos locais desempenham um papel essencial na promoção de uma transição justa. Eles estão diretamente envolvidos com as comunidades afetadas pelas mudanças econômicas e possuem responsabilidade ativa na criação de políticas e programas que incentivem a requalificação da força de trabalho, a criação de empregos verdes e a mitigação dos impactos sociais da transição. Eles também podem envolver as partes interessadas locais, como sindicatos e grupos comunitários, para garantir que as decisões relacionadas à transição sejam tomadas de forma inclusiva e sensível às necessidades específicas de suas populações.

Como afirma o cientista político Sergio Andrade, diretor da Agenda Pública, “não há como a transição para uma economia de baixo carbono ter sucesso sem que haja uma qualificação das políticas de desenvolvimento econômico locais e regionais. São elas as responsáveis por organizar as ações prioritárias, a governança e o modelo de coordenação para arbitrar interesses e conflitos. Isso é particularmente importante para municípios e regiões em que há dependência fiscal das atividades econômicas intensivas em carbono, como a cadeia de petróleo e gás. Nesses casos, as políticas de desenvolvimento precisam vir acompanhadas de uma transição justa para dinamização da economia, preservando a capacidade de arrecadação e geração de empregos nessas regiões.”[1]

Dentro do marco ESG e do desenvolvimento sustentável, a pauta da transição justa no Brasil tem passado por um crescente adensamento jurídico, político e econômico, o que traz desafios e oportunidades. Mesmo que a elaboração de uma política nacional específica para a transição justa ainda esteja em construção[2], o Brasil já dispõe de uma série de diretrizes para potencializá-la. A título de exemplo, o Comitê Executivo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), órgão colegiado vinculado à Presidência da República, elencou os desafios que devem ser enfrentados pela nova política industrial para o Brasil, todos relacionados à inovação, sustentabilidade e inclusão social. O novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e o projeto do Plano de Transição Ecológica, lançados em 11 de agosto de 2023, também apresentam uma janela de oportunidade, pois um total de R$1,7 trilhão será investido para a promoção de crescimento econômico, redução de desigualdades e fomento à transição ecológica. O PAC estará vinculado a seis eixos do Plano de Transição Ecológica, conferindo uma abordagem multissetorial e multiatores às políticas ambientais e aliando-as a estratégias sociais.

Ainda na esfera federal, foi lançada, em 18 de abril de 2023, a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Transição Climática Justa. Presidida pela deputada Socorro Neri (PP-AC) e com a vice-presidência a cargo do senador Nelsinho Trad (PSD-MS), ela tem como objetivo promover a abordagem inclusiva na transição para uma economia de baixo carbono. A Frente se estrutura em grupos temáticos que abordam temas como gênero e clima, mercado de carbono e transição energética, e visa a contribuir para a revisão de políticas como o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA), a Estratégia Nacional para Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal (ENREDD+) e o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE).

Congressistas brasileiros também participaram, em abril de 2023, da Primeira Cúpula Parlamentar de Mudança Climática e Transição Justa na América Latina e Caribe, reforçando o compromisso do país com a construção de uma agenda regional robusta de transição justa. O senador Jaques Wagner (PT-BA) e a deputada Célia Xacriabá (PSOL-MG) assinaram a declaração conjunta da Cúpula, que afirma que “a transição para uma economia de baixo carbono e sustentável deve ser o núcleo duro e elemento inseparável da estratégia de desenvolvimento de um país, em cujo centro deve estar o objetivo de garantir os direitos humanos, a dignidade humana e promover o bem-estar das populações de nossa região em toda a sua diversidade.”[3]

Com o comprometimento do setor privado, leis e políticas públicas cada vez mais avançadas, o cenário que tem se delineado nos últimos anos é propício para que o Brasil esteja na vanguarda da transição justa. Por um lado, manter o aumento da temperatura global em até 1,5ºC exige a descarbonização das principais economias do planeta – seleto grupo de que o Brasil faz parte – e é, portanto, um dever. Por outro lado, esta deve ser também a oportunidade para reduzir as discrepâncias sociais de um dos países mais desiguais, em um momento em que as nações buscam formas inovadoras de recuperação econômica no pós-pandemia e em um cenário geopolítico global que passa por aceleradas mudanças.

[1] https://jornalempresasenegocios.com.br/energias-renovaveis/a-transicao-ecologica-comecou/

[2] https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2023/agosto/haddad-apresenta-o-plano-de-transformacao-ecologica-para-acelerar-crescimento-economico

[3] https://www.cepal.org/sites/default/files/final_declaracion_conjunta_2023_pt_0.pdf